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31 de janeiro de 2012

28 itens

Uma ilha, um abrigo
Um abrigo, uma ilha

Uma estação, um fruto
Um vento, uma flor

Um sonho, uma nuvem
Um amparo, um colo

Uma palavra, um consolo
Um dormitório, uma coberta

Um dia, uma tarde
Uma grama, um pôr do sol

Um desenho, uma risada
Uma verdade, uma lágrima

Um bote, um colete
Um mar, um protetor

Um não, um sim
Um silêncio, um canto

Um, Uma



26 de janeiro de 2012

Palavras para uma MÃE na beira

De certa forma e certo olhar pesado, é como se também fossem seus os problemas da filha. Apesar de sua larga estrutura, seus pés tão bem firmes e de caminhar preciso, ela estava esmorecida. A morte viera lhe lembrar que por mais que pese ainda terá causa maior para resolver.

Dessa forma, os grunhidos ficavam cada vez mais raros, os desabafos, as lágrimas. Nesse tempo doloroso, que se anunciou há três dias ela tem calado o boca. Às vezes a olham com a mão no centro do tórax, respirando fundo e soltando o ar pela boca, como nunca houvera feito antes.

A palavra MORTE é recorrente na boca de cada um. Na filha do meio, na mais velha, do menino de três, onze e o marido de trinta. Olhando em volta as imagens, a forma que vê os outros olhando-a assim, tão frágil, é como confessar em um alto falante que pela primeira vez é incapaz de tudo. Antes, até capaz de matar era, agora não mais.

Uma sombra triste e chorosa puxa um dos bancos de plástico, senta em volta da mesa e fica, esperando a hora de sair e despedir alguém, e levar alguém, e esse alguém é ela: que se vestiu de mãe para viver, que escolheu ter filhos para ter algo pelo que lutar.

Em sua história, de mecânica, de faxineira, arrumadeira, enfermeira, recepcionista, catadora, vendedora de bala, maquinista, pedinte e moradora de rua. Tudo isso foi, com um filho pendurado em cada peito pedindo leite. E mesmo sem comer, quando não tinha, ia na padaria mendigar um resto, resto de qualquer coisa.

Demorou um tempo para vida mudar, não foi? Começou na roça, queimando a cara debaixo do sol, e lembra até hoje com a marca escura no alto das costas, a fome que na roça passou. Passou fome na cidade cinza, chegou a ganhar dinheiro tirando prego de madeira. Seis madeiras por dez reais. E hoje?

Dói ver em volta, que o coração inxado só vai registrar até aqui, e que a vida só deu até aqui. Que sua casa ficou com as paredes em reboco, que seus filhos nenhum casou, que ninguém fala outra língua, ninguém em casa vai na igreja e que o amor, apesar do filho caçula, não vingou. Isso é o máximo.

No fundo, todos estão inchandos. Alguns pra fora com os olhos inchados, outros para dentro, com o coração igual ao dela, pedindo descanso.

Mas às vezes é melhor a morte rápida, disse a filha, pelo menos não fica agonizando. É triste, enquanto tudo começa a ser planejado na cabeça dela, para deixar tudo em paz, como quando a bolsa para maternidade já fica pronta esperando só a bolsa romper, só que daqui nada nasce, tudo morrer, porque como ela mesma diz, "não nasci pra semente".

21 de janeiro de 2012

Embaixo de suas pernas, paisagem corre

Quantas vezes se descalçou para entrar, quantas vezes tudo foi o suficiente, e quantas inúmeras vezes, o universo inteiro, com tudo, também não foi o suficiente? Peça por peça do seu figurino é tirada. A nudez antes de uma vestimenta nova.

Sorri. O mergulho é na areia, de secura e concretude. Se esvai os devaneios, sentando a bunda na poltrona da vida. Ereta e solidificada, as partes não se dividem mais - quem sabe as gotas se multipliquem, mas é em terra seca que se nada.

O chão se multiplica, é preciso mais que papéis, mais que sonhos, mais que sim, mais que não; mais que tudo isso para mudar. O "quase" se espalha no ar, e depois de muito tempo, tudo debaixo da areia (que não era de construção) é dispersado no ar como incenso. Cada toque, cada passo, cada "fotografia engasgada", cada ir e cada voltar. Para ganhar (perda) mais pedaços (tempo) com aquilo que realmente combina com seu cenário.

(Em nome de tudo que já fora derramado, arquivado e revisado)

17 de janeiro de 2012

IV) Espalhar

Espalhar. Dispersar. Dividir. Desmbrar. Dar-fim.E disse, já que não é possível salvar os dois, que cada um morra de um lado. Um se afoga e o outro morre de sede. Sede. Enquanto bóia olhando para o céu azul. E aos que não sentem dor em desfazer, parabeniza-se. Desse lado mais um pedaço morre sem querer de forma nenhuma o substituir. Tirem as crianças da sala, da sua sala, que a cena é séria e não tem nada de doce. Fecha os olhos e rema, que a maré é outra, e você que não sabe nadar, hora de beber água.

13 de janeiro de 2012

III) ÍNTIMO

Se tocavam, em plena luz do dia e publicamente. Era invasão de um e vulnerabilidade de outro, prazer de arrastar e sentir-se sendo arrastado para o fundo; era quase como seres celestiais coletivizando o gozo, mas o seu era especial.

Entrava na calcinha dela, e de cima também era tão lindo que pouco importava a calcinha, quem precisa do que tem nela? Do que entra nela? Quando os olhos empoçam, tocando delicadamente cada linha, cada sombra, cada espuma, o resto não existe; é tudo dentro invadindo você violentamente. Empoça.

Tanto, que encanto é palavra pequena, que amor e ternura, felicidade, contentamento, surrealidade e perplexidade não diziam, não dizem e não dirão do que foi o tal "contato definitivo" que tiveram. Foi por dentro, com poças de gozo dele nela, dela nele.

10 de janeiro de 2012

Suicídio de um pedaço

Abaixa, abaixa, abaixa. Esconde!
Sufoca, vai conformando
que essa parte morre
esse sentimento morre
essa saudade!

Que mais triste do que amputar
é relutar a vida toda
e se cortar, e se cortar
com amor que era para ser poesia
e é dor

Corta quando aperta bem os olhos
em cada soluço, cada vez que junta as mãos
a cabeça baixa, os leves e vagarosos passos

Suicídio de um pedaço que era para ser só amor


9 de janeiro de 2012

II) Depois que a onda passa

Se lindo
era quando
vinha
um medo de
aterrorizar
mortais
enquanto o céu
me ria
azul
Mais lindo
quando ia
a onda, eu via de costas.

Preferia forte
o sangue nervoso
circulava
mais forte
E toda força do mar
se quebrava
em espuma
deixando
meu medo
branco

I) Imensidade, sinônimo de Mar

Não era areia de construção. A primeira vez que o viu foi pela porta traseira do ônibus que se abria a cada três minutos. Descendo no ponto não olhou para o chão, notou o som quem por pura falta de criatividade nunca imaginou se existiria.

E os pés sedentos, iam e vinham com medo. E as ondas intimavam em cada vez que se formavam na água escura que para a os ingênuos olhos se apresentavam. Olhos que recuavam a alma, irritaram todos os pelos do corpo e causava certa irritação na pele que queria se rasgar no meio. Cada onda era um susto, de alguém que vinha lhe dar recado enquanto recuava para voltar de tão louca a necessidade de saber como era...

E a noite caiu coberta de vinho branco com alecrim. Era doce por toda parte do corpo que banhava a alma de quem ardia num quarto trancado com a janela aberta. Lençol amarelo e nenhuma roupa. Sorria tanto que já nem era ela, era tudo o que de mais puro delas foi extraído, vaporizado e disperso no ar.

4 de janeiro de 2012

Por cantos solitários, sozinhos estamos em tudo que é doce ou amargo de nós

Impressiona. Como o amor pode ser coisa tão solitária? A gratidão, a esperança e até mesmo os sonhos. É como se, ao surgirem, dentro do homem todo o resto fosse isolado, como triste e esquálida condição humana.

Os sentimentos são como práticas sensações que rápidas e constantes ingerimos e digerimos com a mistura que acompanham a mesa: a realidade.

É tão rápida e impossível, que a poesia dá sono; a rima curta demais para ser poema. Incutimos a praticidade, a precisão, a necessidade fútil e vendida de não poder, em hipótese nenhuma, errar. Mas os sonhos são altos demais, quase movediços, trapaceiras demais. O canto, a cena, a declamação: descartáveis.

Alguns sopram seus versos, que por baixo custo, passam por um ouvido e outro, vazando amor por debaixo da porta. Mas é fraco demais, é contido demais pra quem vive em outro tom, pra quem o dom é não ser cruel com o mundo, mas pelo mudo ser cruel a si mesmo.