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26 de janeiro de 2012

Palavras para uma MÃE na beira

De certa forma e certo olhar pesado, é como se também fossem seus os problemas da filha. Apesar de sua larga estrutura, seus pés tão bem firmes e de caminhar preciso, ela estava esmorecida. A morte viera lhe lembrar que por mais que pese ainda terá causa maior para resolver.

Dessa forma, os grunhidos ficavam cada vez mais raros, os desabafos, as lágrimas. Nesse tempo doloroso, que se anunciou há três dias ela tem calado o boca. Às vezes a olham com a mão no centro do tórax, respirando fundo e soltando o ar pela boca, como nunca houvera feito antes.

A palavra MORTE é recorrente na boca de cada um. Na filha do meio, na mais velha, do menino de três, onze e o marido de trinta. Olhando em volta as imagens, a forma que vê os outros olhando-a assim, tão frágil, é como confessar em um alto falante que pela primeira vez é incapaz de tudo. Antes, até capaz de matar era, agora não mais.

Uma sombra triste e chorosa puxa um dos bancos de plástico, senta em volta da mesa e fica, esperando a hora de sair e despedir alguém, e levar alguém, e esse alguém é ela: que se vestiu de mãe para viver, que escolheu ter filhos para ter algo pelo que lutar.

Em sua história, de mecânica, de faxineira, arrumadeira, enfermeira, recepcionista, catadora, vendedora de bala, maquinista, pedinte e moradora de rua. Tudo isso foi, com um filho pendurado em cada peito pedindo leite. E mesmo sem comer, quando não tinha, ia na padaria mendigar um resto, resto de qualquer coisa.

Demorou um tempo para vida mudar, não foi? Começou na roça, queimando a cara debaixo do sol, e lembra até hoje com a marca escura no alto das costas, a fome que na roça passou. Passou fome na cidade cinza, chegou a ganhar dinheiro tirando prego de madeira. Seis madeiras por dez reais. E hoje?

Dói ver em volta, que o coração inxado só vai registrar até aqui, e que a vida só deu até aqui. Que sua casa ficou com as paredes em reboco, que seus filhos nenhum casou, que ninguém fala outra língua, ninguém em casa vai na igreja e que o amor, apesar do filho caçula, não vingou. Isso é o máximo.

No fundo, todos estão inchandos. Alguns pra fora com os olhos inchados, outros para dentro, com o coração igual ao dela, pedindo descanso.

Mas às vezes é melhor a morte rápida, disse a filha, pelo menos não fica agonizando. É triste, enquanto tudo começa a ser planejado na cabeça dela, para deixar tudo em paz, como quando a bolsa para maternidade já fica pronta esperando só a bolsa romper, só que daqui nada nasce, tudo morrer, porque como ela mesma diz, "não nasci pra semente".

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