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30 de julho de 2014

Quando viver é fuga

(A coisa que nunca fiz, isento-me deste erro.)

O trator de dentro da gente quase sempre mente
Quando viver é fuga:

um não-viver.

22 de julho de 2014

O que não tinha

Os olhos azuis, a pele clara, delicadeza, silêncio
Nada disso tinha
E era essa ausência que eu amava
A falta dessas coisas
Desses tons.

O que não tinha era o que mais enxia de cor seu ar

Não chorasse hoje a perda de sua perfeição jamais existiria
Não lembrasse hoje, não pensasse a ausência da ausência de perfeição
Não seria eu.

E se um dia nada mais me fizer falta, então já não existiremos
Coisa triste é coisa pouca.

21 de julho de 2014

Verbos. 21 de julho, 30.

Ainda não parou de chover, os esgotos ainda entupidos de flores, o céu sombrio. Respirando fundo pela casa, o café fechado na geladeira, o molho de tomate que não teve uso.

Puxa o ar, enquanto tudo molha. a voz úmida gravada completa hoje os 30 dias de enchente. Quanto peso! Deus, em estado de total abandono foi viajar no recesso e deixou o mundo inundar. Em completo abandono, a memória se refaz entre afogamentos.

No primeiro dia de retorno à casa abandonada, recitava Cecília Meireles alto, e escorria, como escorria aqueles olhos. Um gemido como o só de quem carrega um profundo buraco no peito, um vão onde o ar abafa e não circula. Dói.

As paredes brancas, como a areia branca e a roupa branca e os sonhos. Onde estão os caminhos?

30 longas noites, longos dias a fio, silenciosos e silenciados. O mundo não perdoa a dor e Deus está de férias. Seca na cidade inteira e dentro um dilúvio em nó, desfalece. Parece um copioso movimento de morrer e renascer desde o começo. A degeneração existe, a reprodução artificialmente do ser de quem se ergue e cai - nessa ordem. Primeiro por obrigação, segundo por existência.

E não bastasse o peso do mundo, o peso do peso que não desaparece tão cedo. Há inúmeras marcas nas paredes.

Mas mesmo neste estado, há quem compreenda: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/07/fidelidade-ou-blealdadeb.html - Deus entrou de férias, mas deixo um pensador na terra.

18 de julho de 2014

30

O mês, de vez, se fez
tudo
de antes
em
nada

.

O sapatinho vermelho, o cardaço muito grande que fazia nós por não saber o laço, por dentro tudo estava perdido debaixo daquele solado. Diante, mundo que não cabe. Que a vida cumpra seu papel e passe, tão depressa quanto o vendaval cantando qualquer moda brega que já não me faça lembrar os dias no carro da família, as ruas cobertas de hexágonos que percorríamos à beira mar.

30 dias sem a margem infinita de contemplação.


6 de julho de 2014

Não me sabe

Quem nunca viu a porta bater
O cadeado trancar
O tempo estranho fechando
A maré silenciando e a suspensão da noite e do tempo
sob a luz da Lua Vermelha
Não me sabe.
Não me venha.

Não tente entender de renda quem só borda lantejoulas.

Degeneração e espasmo

Quando entrei naquela casa, a primeira coisa que a mente disse foi: onde foram guardados seus pedaços?

Meu coração dilacerado não tocou em nada, observou e esperou. E disse: "Onde está o espelho?". "No guarda-roupa". E ao puxar a porta direita, a voz desesperada dizendo "na estante", denunciava o que o olho via: seu pedaço de texto nos cantos e no plano central das paredes de fundo foram retirados.

Esse foi um pedaço. A madrugada fria com cobertinha separada (outro pedaço), o espasmo das três da manhã, o frio (a degeneração).

O que dói mais do que o silêncio dos pássaros? Uma dor chata. Para quem sente, para quem chora, para quem ouve, para tudo no mundo. São tantos restos, retalhos. Coisas se perdem no eco da geladeira que prevalece.

Quando saí daquela casa pela manhã pedi desculpas, dei-lhe um beijo na testa (por força interna incontrolável) e subi a ladeira como quem corre das madrugadas de neblina. Fui e nunca mais voltei. Nada de lá também voltou.
Houve uma grande queimada na tarde deste sábado, e as cinzas reduziu um mundo em cinzas pretas vagando no espaço do vento, caindo para este meu lado do mundo.

Falta.

Uma formiga morde a ponta distante do menor dedo do pé. Eu, imóvel, sem poder me proteger daquela coisa tão pequena. Enquanto isso, fervo! Saudade daquela. A cara de criança de olhos inchados que tanto admirava, o observar com meio sorriso na cara. E eu, do outro lado alto, brincando de girar trezentos e sessenta graus as nuvens e as ondas. A playlist sempre a mesma, a felicidade sempre nova, a concha!

Pensando bem, a formiga não é tão pequena assim.  Aliás, machuca - e muito!

Apesar da gentileza e o valor nobre das picadinhas tantas vezes sutis, o que fazer se o mar inunda a casa toda hora, se o barulho do avião (tão próximo) não traz o arco-íris para cima de nossas cabeças? Clareia, por favor. Mas enquanto  formiga morde, o pássaro canta e o ventar das árvores balançando folhas. A força do sol batendo na folhagem e o os ecos que surgem no meio do lago. Tudo é falta.

Uma faquinha de mesa cortou as beiradas e fez escorrer, a realidade liquida e filosófica. As minhas crenças, as forças. Embora.

Vai ficando curta a memória e o tempo se estende num chiclete sem açucar, bem grudento. É tanto tempo de tanto silêncio que vira som. E a formiga morde, e a maré encharca as paredes da casa. Vai afogar-me a falta.

1 de julho de 2014

Não culpo a falta de amor, porque muito mais sofre aquele que tenta amar, muito mais que eu mesma - que me vou morrendo e matando a cada despedida. Guardo meu egoísmo por esse instante.

Mas é preciso reabilitar-se, como um viciado. Porque para os demasiadamente boêmios e conselheiros, o prazer da felicidade ainda parece coisa distante. Para mim, um apelo ardente e silencioso que vai explodindo estrelas dentro da gente pelas manhãs.  Quando a luz delas desaparece então é preciso ficar com a sensação do recém-apagão. Não é fácil.  Também não julgo quem nunca amou e tenta um conselho grosseiro, é ainda mais triste.

Mas especialmente hoje, depois de 10 dias de total realidade, eis que meu olho não lacrimejou. Não chorei. Dancei na frente do espelho e vi que de mim já se vai mais uma parte. Vou lapidando pedaço por pedaço.  Ano que vem, mais uma memória.

Na companhia da sopa e a caneca, no fundo do fogão que faço de armário observei aquele suco de limão.  Era pra ela que comprei, junto com o saco de gameleira que, infalivelmente, lhe arrancava um sorriso quando eu lhe enchia o pote.

O colchão inflável da nossa última viagem no canto da cozinha,  sua mala de coisas que vai levar tudinho. Tudo isso já não mais parte de mim.

Não tenho mais 17 anos. Foi o que me disse hoje. Será até onde podemos ir. Muita gente tem me botado medo com a capa do tempo, o tempo que resumiria tudo e afastaria a dor. O tempo, nada mais traidor.
A efemeridade das coisas nas coisas. Pra onde é que esses 6 bilhões de mundos se encaminham? Colisão.

Nesta terça as luzes já dormem todas apagadas, a espera no fim, porque na lógica ela nunca perderia a aula de arte. Sussurro a mim mesma um poema de Cecília, canto Cícero e paro as palavras. Estou cada dia mais distante e a dor física impera. Tirando os olhos roxos e os "bons dias" preocupados, as mensagens de áudio que já me cansam - "E aí Su, como você tá hoje? Te amo". Aff, o amor cansa!

Me protejo, já cheguei nos meus abismos, meus bosques devastados, meu jardim floral. Agora eu transcendo e fico com o que sobrou de mim. É o abandono de minha história.