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25 de fevereiro de 2012

Ausência de margem, é isso que é

As margens se perdem, como podem se perder? Começou pelas margens, pelo contorno que delimitava forma, e caiu em queda livre fazendo barulho de chuva no asfalto fodido de uma rua qualquer da zona sul de São Paulo. Em uma rua com árvores, muitas árvores e pouca luz. Dizia adeus a mais um pedaço que era seu, água da chuva virou esgoto.

Quanto maior o silêncio, maior o rompimento, o corte, a fenda, a rachadura do cristal. É daquela gente que se rasga inteira por um sonho, por um cheiro que nem gosto tinha, ou por um gosto provado tão rapidamente que talvez até, provável até, certo até que mudaria de sabor. Talvez não uva, talvez não tão doce com aquele azedinho no fim.

Mais uma vez, a tentativa de jogar o jogo que a regra principal é não ter ganhadores. Perderás, enquanto andar sem pele, ser mordida por formigas e ser vomitada por jogadores já perdedores de outras guerras. Flagelo. Não poderia nunca ser diferente, nunca!

Andar por aí sem pele, sem margens, sem comandar bem a sombra, sem regular sonho, sem ter na sacola um "não" para a própria dúvida, a própria esperança vã de abraçar o mundo concreto sem ter margens. Digna de pena aquela moça que anda pelas ruas das árvores e com pouca luz.

Falaram pra ela. Estão falando agora, mas o que adianta? Não se escolhe ser cachoeira aberta, ser um rio ambulante sem margem, sem a essência que fala... dizem sempre que precisa ser mais racional. Enquanto lá dentro, o mundo gira o tempo inteiro, mudando de tom, mudando de gente, vestimenta, roupa, touca, boca, jeito, cheiro. Ela sempre soube que nunca fora boa para administrar coisa nenhuma, nem os próprios segredos, nunca.

Vejo-a agora, se tecendo em frente à uma tela branca, e cada palavra fundada lembra uma fenda aberta em seu rio sem margens. Digna de pena, de pena. O amor é coisa para poucos, a sorte, a vista grossa, o pouquinho que a vida dá. Lá vai ela, cambaleando em um choro sentido, escorrendo por dentro e por fora. Querendo sumir, vai mutando, até que a água seque e a ausência de margem não faça diferença, a morte. Por enquanto, é esgoto que corre fazendo barulho no cimento fodido na zona sul de São Paulo, em uma rua cheia de árvores com pouca luz.

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